Millôr Fernandes dizia que o maior altruísta é também o maior egoísta. Ele só é feliz se todos ao seu lado também estiverem felizes. À primeira vista parece uma frase paradoxal, mas ela aponta para algo essencial. A nossa alegria depende do ambiente que ajudamos a construir.
Vivemos um tempo em que muitas relações têm sido afogadas pela narcose digital. É aquela sensação de anestesia produzida pelo excesso de telas, de notificações e distrações que vão nos desligando dos outros sem que a gente perceba. A convivência fica superficial, os vínculos afinam e a felicidade passa a parecer um território individual, quase isolado, uma ilha.
Mas Millôr nos lembra do contrário, lembra que não existe alegria plena numa sala onde o outro está triste. Não existe paz onde o outro sofre. A pessoa verdadeiramente altruísta entende que o bem-estar é coletivo, que a vida só funciona de verdade quando cada um se importa com o que acontece à sua volta. Esse egoísmo positivo não busca vantagem, busca conexão.
É a percepção de que o cuidado retorna, de que o sorriso que provocamos ilumina os dois lados e de que a gentileza cria ambientes em que a vida respira melhor. No mundo anestesiado por essa frase, é quase um antídoto.
