
Criar um carro é um desafio técnico complexo. Quando esse carro precisa atender às necessidades de pessoas com deficiência (PCD), o processo exige ainda mais atenção aos detalhes. Por trás de cada carro PCD existe um esforço conjunto de engenharia, tecnologia e compromisso com a inclusão.
Segundo a Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA), a acessibilidade automotiva vem avançando no Brasil, mas ainda enfrenta barreiras importantes. “As montadoras têm investido em tecnologias e adaptações que visam facilitar o acesso e a condução de veículos por pessoas com deficiência”, destacou Carla Pachu, representante da AEA na Câmara Temática de Assuntos Veiculares da Senatran – Secretaria Nacional de Trânsito.
Adaptação sob medida
Cada tipo de deficiência exige uma solução específica — e esse é um dos maiores desafios enfrentados pela engenharia automotiva. Controles manuais, rampas de acesso, bancos giratórios e pedaleiras invertidas são apenas alguns exemplos das adaptações que normalmente precisam ser feitas.
Para o diretor de Segurança da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA), Hilton Spiler, a personalização dos veículos é complexa, e a parceria estratégica com empresas transformadoras de automóveis, aquelas especializadas em modificações e adaptações de veículos é fundamental. Além da customização, Spiler destaca que o projeto deve respeitar normas e regulamentações locais ou nacionais.
Design e custo
O espaço interno e o design também representam um ponto de atenção. “É um desafio equilibrar a estética do veículo com a funcionalidade necessária para atender às necessidades do público PCD. Isso porque muitas adaptações comprometem a configuração original do automóvel, exigindo soluções criativas para não afetar conforto e segurança”, destacou Hilton Spiler, diretor de Segurança da AEA.
Para o diretor da AEA, outro entrave é o custo. Ele explica que a produção de carros adaptados pode ser mais cara por causa da necessidade de materiais especiais e processos de fabricação.
“O incentivo fiscal e os benefícios oferecidos por muitas montadoras, atuam como mecanismos de compensação pelos custos adicionais enfrentados pelas pessoas com deficiência”, complementou Hilton Spiler.
Inovação e tecnologia como aliadas
As tecnologias integradas já de fábrica aos veículos também têm contribuído para ampliar a mobilidade de pessoas com deficiência. Recursos como assistentes de direção (ADAS), comandos por voz e conectividade estão se tornando cada vez mais comuns nos veículos.
“Já existem sistemas de infotainment – informação e entretenimento – controlados por voz, aplicativos de transporte adaptado, controle remoto de funções e conectividade com serviços de emergência. E estamos observando avanços promissores em direção autônoma, veículos conectados e navegação adaptada com feedback de acessibilidade em tempo real”, apontou Carla Pachu, representante da AEA na Câmara Temática de Assuntos Veiculares da Senatran (Secretaria Nacional de Trânsito).
O Fiat Pulse e, na sequência, o Fiat Fastback se destacaram como precursores no Brasil na adoção de sistemas de infotainment com assistentes virtuais integrados, marcando uma virada tecnológica na indústria automotiva nacional.
Lançado em 2021, o Pulse foi o primeiro carro da marca no país a oferecer integração simultânea com os assistentes virtuais Alexa, da Amazon, e Google Assistente, por meio da plataforma Fiat Connect////Me.
Para o gerente regional de Vendas da Fiat, Daniel França, isso permitiu aos motoristas controlar funções do veículo — como travamento das portas, acionamento de luzes, verificação do nível de combustível, além de comandos de mídia e navegação — por comandos de voz, inclusive à distância, via smartphone.
“O sucesso da inovação do Fiat Pulse abriu caminho para o Fiat Fastback, lançado em 2022, que aprimorou essa experiência conectada ao trazer o mesmo sistema com ainda mais integração e foco na comodidade, segurança e conectividade. Juntos, esses modelos posicionaram a Fiat como uma das marcas mais avançadas do Brasil em tecnologia embarcada voltada à interação por voz, antecipando tendências e tornando essas soluções acessíveis a um público mais amplo”, destacou Daniel França.
Acessibilidade como política industrial
Além da engenharia, o tema da acessibilidade automotiva também atravessa questões políticas e econômicas. A recente promulgação da Lei Complementar nº 214, de 2025, alterou as regras para concessão de isenção fiscal, exigindo que a deficiência do beneficiário demande uma adaptação específica no veículo. Na prática, isso restringiu o acesso ao benefício.
“Essas mudanças, na prática, excluíram do direito à isenção uma parcela considerável do público PCD, cujas necessidades de mobilidade, embora existentes e impactantes em seu cotidiano, não se traduzem necessariamente em adaptações veiculares físicas”, apontou Carla Pachu.
Um novo projeto de lei (PLP 37/2025) tramita no Congresso com o objetivo de restaurar o alcance anterior das isenções. O projeto busca recuperar a isenção de impostos para um espectro mais amplo de pessoas com deficiência e TEA, independentemente da exigência de adaptação veicular.