Quando na televisão passa algum detalhe de Paris, durante as Olimpíadas, ela fala que já morou ali. As enfermeiras incrédulas brincam perguntando se quando ela voltar não as levaria. Ela resmunga, dá uns “muxoxos”, mas toda elegante, mesmo vestindo roupas bem usadas doadas para aquele lar onde ela vive hoje.
Ela se vira na poltrona como se fosse pegar um cálice, mexe nos cabelos e ignora as cuidadoras. Quando ela volta a ficar sozinha com os voluntários, ela diz que era estilista, mas isso ficou no passado. E agora ela não gosta nem de falar sobre isso mesmo porque, segundo ela, não lembra de quase nada mais.
Em outro dia, ela nos perguntou sobre um homem, chamando-o com muita intimidade. As enfermeiras sussurraram que era o marido dela, já falecido, que ela não se lembrava que ele havia morrido.
Uma das cuidadoras brinca, será que ele não foi encontrar com a outra dona fulana? Ela dá um sorriso esnobe e diz segregando: “Essa aí nunca deve ter conhecido o amor de verdade”.
“Ele deve ter saído pra comprar flores pra mim, como ele sempre faz. Nesse hotel aqui onde a gente tá, não há belos jardins como lá em casa. Eu vou aguardar ele voltar e quando ele chegar vou fazer cara de surpresa pra ele ficar feliz”.
O marido não voltaria e ela, em alguns minutos, mesmo não sabendo disso, também esqueceria.