Cada ano na música brasileira é marcado por um fenômeno social ou político, refletindo momentos, tendências e formas de expressão. Há 50 anos, em 1975, o catálogo musical brasileiro era presenteado com álbuns de Milton Nascimento, Rita Lee, Gilberto Gil e tantos outros ícones que ainda são lembrados e reverenciados.
Em 1975, especificamente, o Brasil vivia o auge da Ditadura Militar, sob comando do ex–presidente Ernesto Geisel. Nesse cenário, a MPB foi uma das principais formas de protesto contra o regime, com músicas que expressavam descontentamento e eram, muitas vezes, censuradas.
Além disso, muitos artistas tinham acabado de passar pelo movimento tropicália, e alguns deles chegaram a ser exilados, como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque. Isso trouxe uma série de experimentações para os trabalhos dos artistas, que estavam mais dispostos a não só denunciar, mas também refletir sobre a terra.
Relembremos 10 discos brasileiros lançados em 1975 e que completam 50 anos em 2025.
“Minas” – Milton Nascimento
A lista não poderia começar sem o mineiro de coração, Milton Nascimento, com um projeto que remete ao nosso estado já no título: “Minas”. O título também é a junção das duas primeiras sílabas dos nomes do cantor. A capa, assinada pelo fotógrafo Cafi, dá destaque aos traços do artista, reforçando sua afro–brasilidade.
Os arranjos do álbum são de Wagner Tiso, e a obra traz instrumentistas como Toninho Horta e Novelli, e participações de Beto Guedes, Fafá de Belém e Nana Caymmi. A sonoridade do disco é pano de fundo para a dimensão política de letras como “Fé cega, faca amolada” e “Saudade dos aviões da Panair”.
‘Gil & Jorge: Ogum, Xangô’ – Gilberto Gil e Jorge Ben Jor
O ano de 1975 marcou o encontro de dois grandes nomes da música brasileira: Gilberto Gil e Jorge Ben Jor. Juntos, eles gravaram um álbum que é considerado como uma obra–prima da MPB. O disco é conhecido por sua característica experimental, em que os dois cantores interagem entre si durante todas as músicas – que por sinal, chegam a até 14min34 de duração.
Após cantarem juntos em um evento da gravadora Phonogram (Universal), em 1973, o então presidente da empresa, André Midani, quis imediatamente gravar um disco que unisse as genialidades de Gilberto e Jorge Ben. A gravação do projeto ocorreu sem grandes ensaios, de maneira orgânica, intuitiva e sem partituras.
‘Fruto Proibido’ – Rita Lee e Tutti Frutti
Álbum mais simbólico de Rita Lee, “Fruto Proibido” foi o segundo disco que a cantora gravou com a banda Tutti Frutti, após ter sido demitida dos Mutantes. Nessa fase, a artista encontrou sua própria identidade enquanto artista e criou um projeto de blues rock intencionalmente feminino, confrontando o esterótipo machista imputado ao gênero.
O título já vai de encontro a toda a ideia desafiadora do álbum, em que Rita se apossou da ideia de que a mulher é a responsável pelo fruto proibido, remetendo à desobediência de Eva na Bíblia. A artista levou o público para seu mundinho “rock cor–de–rosa” e discutiu temas importantes para as mulheres da época, como identidade pessoal e busca do próprio espaço.
‘Novo Aeon’ – Raul Seixas
Quarto álbum solo do artista, o projeto chegou a ser bem recebido por alguns críticos, mas não atingiu as vendas e a repercussão esperadas à época pela gravadora. Com o tempo, o disco ficou consagrado como um dos melhores da trajetória do cantor, e o responsável por grandes sucessos de Seixas.
Marcelo Motta criou, junto com Raul, cinco das 13 canções presentes em “Novo Aeon”. Em “Tente outra vez” e “A Maçã”, os artistas tiveram a companhia de Paulo Leite na composição. O álbum marcou a mudança de postura do cantor após romper com seu então empresário, Guilherme Araújo, passando a ter menos simbolismos e letras que refletiam mais os problemas do cotidiano.
‘Água do Céu – Pássaro’ – Ney Matogrosso
O álbum foi o primeiro solo do cantor após sua saída do “Secos e Molhados”, em 1974. Dentre os trabalhos posteriores lançados pelos ex–integrantes do grupo, o de Matogrosso foi o que mais se destacou. “Água do Céu Pássaro” teve produção de Billy Bond e de músicos como Claudio Gabis e Jorge Omar.
A parte vocal e única do artista cumpriu as expectativas de antigos fãs, que esperavam um bom desempenho na estreia solo de Ney Matogrosso. Na capa, o cantor mesclar tribalismo, ancestralidade, demandas interiores e a invenção estética que desenhou o caminho do sul mato-grossense.
‘Racional (Vol1)’ – Tim Maia
Quinto álbum do Tim Maia, o projeto foi lançado pelo próprio selo do cantor, o Seroma. O disco foi fortemente ignorado pela crítica especializada na época de seu lançamento e teve baixo desempenho em vendas. Isso porque as letras de “Racional (Vol1) divulgavam a seita Cultura Racional, que tinha poucos adeptos, além da distribuição amadora da gravadora do artista.
Após o lançamento, Maia passou bons anos tentando apagar o disco da memória do público, chegando a destruir o material físico, proibir o relançamento e desencorajar regravações. Mesmo assim, o álbum ganhou um status “cult” a partir do processo de encarecimento dos discos de vinil, e foi relançado após a morte do cantor. Hoje, o trabalho é visto com um dos pontos altos da carreira do artista carioca.
‘Refazenda’ – Gilberto Gil
O álbum reposicionou o cantor em sua carreira, colocando-o de forma mais independente e reflexiva. O disco tornou-se um marco ao apresentar as novas ideias do artista, diferentes das que ele havia apresentado até aquele momento. Além disso, o projeto é o primeiro da trilogia “Re”, que posteriormente trouxe “Refavela” e “Realce”.
“Refazenda” pegou o público de surpresa, já acostumado com o experimentalismo de Gil na época do Tropicalismo. A sonoridade do álbum é mais simples e bebe da fonte do baião e de outros ritmos nordestinos. As letras fazem referência direta ao título, falando sobre o meio ambiente e defendendo uma aproximação com a natureza.
‘A Voz do Samba’ – Alcione
Primeiro álbum oficial da cantora, o projeto foi responsável por dá-la projeção nacional, tendo sido apresentada já como “a voz do samba”. O disco foi impulsionado pelo sucesso nas rádios das músicas “Não Deixe o Samba Morrer” e “O surdo”.
Roberto Menescal, diretor artístico da gravadora Philips, pela qual o álbum foi lançado, escolheu o conceito e o repertório do disco com base na explosão de Clara Nunes. Com “Não Deixe o Samba Morrer”, Alcione ficou 22 semanas em primeiro lugar nas paradas de sucesso da época.
‘Jóia’ – Caetano Veloso
Esse álbum é um equilíbrio entre o experimentalismo já apresentado pelo cantor e sua sensibilidade tocante naquele momento. A Ditadura Militar censurou a primeira versão da capa, que apresentava uma arte do artista, sua esposa à época, Dedé, e seu filho nus. A segunda capa apresenta apenas pombas.
Caetano Veloso e Perinho Albuquerque assinam a produção do disco, em que o cantor buscou mais pela experimentação. “Jóia” serviu como um laboratório, em que o artista brincou com os arranjos de cordas, com o tom de sua voz e adicionou a influência da música tribal do Xingu.
‘Paêbirú’ – Lula Côrtes e Zé Ramalho
Também conhecido como “Paêbirú: Caminho da Montanha do Sol”, o álbum foi o primeiro e único lançado da parceria entre Lula Côrtes e Zé Ramalho. O disco é considerado um dos mais cobiçados da música brasileira, e apresenta misticismo, viagens da mente, psicologia e experimentalismos sonoros.
Uma curiosidade sobre o álbum é que boa parte da tiragem original, gravada entre outubro e dezembro de 1974, no estúdio da Rozenblit, em Recife, foi levada pela enchete do Rio Capibaribe. Porém, a fita master do LP sobreviveu, e as 14 faixas foram lançadas, ganhando uma nova prensagem em 1976, com novos timbres e efeitos.