Quem viveu entre as décadas de 1980 e 1990 pôde testemunhar o que Ayrton Senna foi para o país. Para aqueles que não vivenciaram a tradição de acordar no domingo de madrugada para assiti-lo correr, a série Senna, da Netflix, veio como uma alternativa para mostrar um pouco de quem foi o piloto.
Mas, a história de Ayrton não é só sobre seus feitos na pista. É também sobre as famílias que, após um período de Ditadura Militar e vivendo uma forte crise econômica, encontraram um motivo para se reunir, sorrir e se orgulhar de ser brasileiro. Famílias como a do ator Felipe Oládélè, que se juntavam em um barzinho no bairro Bom Jesus, em Belo Horizonte, para assistir Senna correr.
Trinta anos depois, Felipe tem a chance de interpretar na série o que ele mesmo vivenciou ainda criança, ao lado do pai, coincidentemente ou não, mecânico. Em entrevista à Rádio CDL FM, o ator falou sobre os simbolismos presentes em sua infância, período em que acompanhou Senna, e sua participação na série como pai do personagem Marcelo.
“Eu cresci gostando muito de carro de corrida e assistindo com meu pai, então foi, de certa maneira, muito simbólico ter participado e feito o pai de uma criança na série”, declara o ator. Para ele, fazer parte de Senna foi uma espécie de resgate de sua infância.
‘Convivi exatamente com isso’
Felipe também reflete sobre a representatividade da classe social que assistia às corridas de Senna em bares e mercadinhos de bairro, comparando com o que viveu em Belo Horizonte. “Eu convivi exatamente com isso. O Marcelo, meu filho na série, brincando de carrinho de rolimã, e eu construí meu carrinho de rolimã”.
“Eu descia os morros ali do Caiçara, do Bom Jesus, com o chinelo agarrando, acabando com as Havaianas [risos]. Olhando para o lugar da representatividade, eu achei bonito Senna trazer esse contexto periférico, essa coisa do domingo de manhã, a maioria dos trabalhadores estão de folga e estão ali bebendo uma”.
“Participar de Senna foi uma grande honra e um grande prazer, é um projeto muito grande e o Senna foi uma pessoa muito importante, um herói nacional, de uma certa maneira. Também foi importante pela projeção, um trabalho imenso que apresenta esse grande personagem brasileiro para outras gerações”, conclui.
Reconhecimento da família
“Senna” foi lançada no dia 29 de novembro e está entre as 10 produções mais assistidas da Netflix, atualmente. Além disso, a obra consagrou-se como a série de língua não–inglesa do streaming mais assistida do mundo. Felipe fala sobre a repercussão de ter participado desse projeto.
“Eu estudei no Instituto de Educação, em BH, e fiz teatro no Palácio das Artes, então professores entraram em contato comigo, amigos que eu não via há muitos anos dos bairros que eu morei, meus amigos de escola, gente de tudo quanto é lugar começou a me segui porque estou na série”, conta o ator.
Mas, para ele, o mais importante é ter o reconhecimento da família. “O que é mais significativo é quando os meus primos e primas, minha mãe e meu pai veem a série e falam caraca, meu filho aí fazendo isso, para mim é muito bonito, e sobretudo as pessoas que cresceram comigo e que me veem nesse lugar”.
‘Carrego meu sotaque para onde eu for’
Mesmo morando em São Paulo e prestes a se mudar para o Rio de Janeiro a trabalho, Felipe tem a certeza de carregar a identidade belo–horizontina por onde vai. “Eu sou um ator negro de Belo Horizonte, então de uma certa maneira eu carrego o sotaque do lugar de onde eu nasci para onde eu for”.
“É um lugar que eu me reconheço, que me mostrou o que é teatro, teatro de grupo, o que é a labuta do artista. A forma do artista se mover em BH é diferente. Como a cidade está cercada por montanhas, isso nos protege de outras influencias também, faz a gente ter uma identidade e uma certa autenticidade no que faz”.
Pés no chão
A série sobre Ayrton Senna é apenas um dos trabalhos de Felipe. O ator já participou de “Terra e Paixão”, da Globo, “Rota 66”, da Globoplay, é fundador da Companhia Negra de Teatro, entre inúmeros outros projetos. O artista reflete sobre a responsabilidade de representar o grupo de pessoas negras e como se mantém pé no chão.
“Encontrei meus parentes aqui de São Paulo há pouco tempo e uma prima minha falou comigo, ‘nossa, quando eu te vi na novela eu chorei muito’. Isso é bonito, tem um grau de importância para as pessoas. Não estou falando que isso emocionalmente não me afeta, mas é como as pessoas projetam na gente”.
“Eu não quero representar ninguém, eu represento a mim mesmo, porque também é um peso, ‘nossa, você representa uma nação’. É uma questão social que é sobre a jornada do herói das pessoas, dos exemplos, só que eu também sou um ser humano falho, eu sou a pessoa que está fazendo o meu corre”, declara.
Mesmo não se deixando levar pelas projeções, o ator se sente feliz por alcançar determinados lugares apesar de ter saído de um contexto de acesso à educação e à cultura precários. “Se as pessoas me olham como inspiração, pô, massa, mas é muito trabalho, muita dedicação e muitas configurações porque é uma carreira difícil”.
Para acompanhar o trabalho de Felipe Oládélè além de sua participação em “Senna”, fique ligado nos seguintes projetos:
- Filme de Natal “Kizuna”, estreia no dia 20 de dezembro na plataforma Feliz7Play;
- Espetáculo “Vinte”, estreia no dia 13 de março, no CCBB Rio de Janeiro;
- Série “Rota 66”, na Globoplay;
- Série “Body by Beth”, na Max.