Ela conversava com a mão diante da boca. Era assim também que ela sorria e se deixava, timidamente, ser fotografada. Todos pediam para tirar a mão na hora da fotografia, mas ela não se sentia à vontade.
Nós nos acostumamos com ela daquela forma e nem percebíamos mais o fato dela se esconder. Como isso era um assunto que não agradava, ninguém comentava mais. Até que nesse dia ela me disse que não se desculpava por ter deixado ele fazer aquilo.
Eu fiquei confuso, achei que fosse algo com alguém da nossa equipe de voluntários e perguntei o que era. Ela me disse que, no passado, o marido a torturava, mas que ela não o via como errado.
Ela morava no interior e não era comum um casal se separar, mesmo que sob uma traição, viviam juntos como se nada tivesse acontecido. Me disse que foram as torturas que levaram seus dentes.
E também a sua ignorância em achar que ela que errou, até descobrir que a vida toda ela foi a vítima de um marido abusivo.
Ela, aquela senhora, não escondia a ausência dos dentes como achávamos. Ela se escondia.
Soube há algum tempo que ela não está mais entre nós, mas a funcionária da instituição onde ela morou me disse que ela conseguiu se libertar da mão diante da boca.
Viveu sob uma grande dor, mas conseguiu se perdoar de sempre ter achado que a culpada era ela.
A mão diante da boca
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